quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Segredo

Esse texto não é meu, mas acho-o indigno de apodrecer na caixa de entrada de um e-mail que não mais uso. Então fica aqui, entre quatro paredes, comigo e vocês, meus amigos, quais tenho coragem de dividir o que se passa dentro da minha mente; foi escrito por alguém que ainda vive, mas vive longe, e que também passou muito por ela...


Abraçando as pernas encolhidas perto ao peito enquanto instintivamente balançava-se para a frente e para trás, via as sombras desconhecidas que faziam movimentos lentos e repetidos na tinta descascada do cômodo pobremente iluminado pela luz amarelada, que penetrava disformemente espalhada pelos antigos vidros onde escorriam grossas gotas de água que caíam lentamente e incessavelmente desde que subira as escadas até o terceiro andar e vagarosamente escorregara com as costas apoiadas na parede gelada da casa, atônita.

Expondo uma personalidade extrovertida, Agatha, raramente era vista sozinha, era sinônimo de alegria à todos que a cercavam quando bastava ver as covas formando-se em sua bochecha para retribuir a alegria com comportamentos efusivos. De inesquecíveis situações improváveis me lembro quando vem à mente sua imagem, e a melhor descrição que posso compor sobre ela é: 'aquela que se torna a melhor amiga da noite para o dia'; exatamente o resumo de minha história com ela.

Fisicamente não fazia jus ao nome; era apenas comum enquanto pretensões amorosas eram atiçadas por sua despretensão com o mundo. Isso sim era afável. Criando em seu redor situações aprazíveis mesmo entre acontecimentos nem tanto, todas companhias se dispunham agradáveis e qualquer situação emocionante.

Quarto, escada, porta, rua; escuridão e silêncio unicamente quebrados pelo ouvir das histórias singularmente proferidas com aquela voz doce e complacente, mas que mesmo desse modo ninguém atrevia-se a interferir e apaziguar a doce sincronia de suas frases ao mesmo tempo serenas e espevitadas, que faziam preferencia à ouvi-las mesmo ao invés de uma ária cantada com qualquer distinguida voz.

Agatha, que agora vejo tão distante, apenas conserva a carcaça que um dia fizera-me - assim como a muitos outros - parafrasear mentalmente eternos discursos exarados sem êxito para exprimir uma ideia tão simples: vontade. Vontade de Agatha; isso devia ser promovido à uma expressão universalmente significante como a maior vontade relacionamental humanamente concebível.

Conduzindo como brincadeira efêmera quando naquele memorável pequeno café de esquina ela me disse que o pequeno garçom de aparência turca, ainda em treinamento, pensara sacanagens à seu respeito, ou melhor, sem respeito, fantasiei a continuação:

- Quer adoçar agora? - disse ele - Eu adoro lamber calda de chocolate.
- Calda de chocolate no café?
- O café e os cigarros podemos deixar para depois.

O calor dos fornos à gás que douravam os pães das sete misturava-se ao suor melado de pele sobre pele, criando vapor junto as baforadas graves e úmidas de prazer enquanto a fila de clientes se formava junto ao balcão esperando por atendimento.

Um chiclete pisoteado quebrava o marrom da calçada com um tom vermelho em um círculo que aumentava de um grão de poeira ao infinito enquanto os ramos verdes, antes tão juntos, pareciam ter brigado. O barulho do violento vento trouxe uma imagem estática de uma garotinha com a mão para fora do carro, usando toda a força para não deixar o braço ser levado embora, tentando manter os olhos lacrimejados abertos, imaginando formas para as nuvens, que dessa vez foram extirpadas pelos prédios que cresciam em direção ao céu vermelho por um ínfimo momento, para depois se tornar penumbra.

Talvez a racionalidade egoísta tem sua utilidade ao anular emoções com auto piedade: sem a radicalidade desse momento muito trabalho seria poupado, mas ao menos, limpando a sujeira feita na calçada aquele chiclete foi levado e confundido junto à água que, seguindo seu ciclo natural, seria reaproveitada quem sabe transformando-se em champanhe de maçã: desgraça para os que caem, carnaval para os que sobem.

Quarto, escada, porta; analisava a densa neblina que se espalhava por todos os lados naquela manhã, e que escondia o mundo de poucos metros à frente, deixando, do lado de fora, só visíveis as copas das árvores mais altas e os postes de luz já apagados. Para ela era até acolhedor acreditar que agora, nessa ilusão, tudo o que existia estava ao alcance de suas mãos.

Fomos os primeiros amigos a chegar, eu e Agatha, e com condolências aos parentes e a ex-amiga sentamo-nos em eterno silêncio. O centro das atenções provavelmente escondia os restos mortais de uma marionete: separados e deformados pela calçada, e que mesmo fechado exalava a gelidez que escurecia a sala.

Algo atraiu minha atenção. Um velho de costas curvadas caminhou rigidamente até ao lado do caixão, franziu as monocelhas como quem faz força para não marejar os olhos, e curvou o nariz adunco para perto do caixão. Pedro poderia ser seu nome e descrição. Lentamente começou a curvar o cotovelo, levantando o braço com pequenos movimentos travados por baixo da blusa de lã preta, como um gago fala quando amedrontado. E naquele momento, que apenas era, o salão inteiro teve os calafrios de medo e perdição que trescalavam daquele tronco trêmulo. Os dedos enrugados como o de alguém que estivera submerso líquido por anos tocaram a nova casa da neta, enquanto a palma da mão pressionava o carvalho morto, tentando com todos os pensamentos tocar, agarrar e guardar para sempre o passado; e foi assim que começaram os olhos daquela mão a despejar memórias que uma conhecida o levou com um abraço empático até a sala ao lado.

- Vai se foder!

Olhos sobre Agatha e os seus sobre o chão: reclusão.

- O que foi isso? - perguntei sussurrando
- Aquela vadia farsante! Quero sair daqui.

Quarto, escada; murmúrios cessam imediatamente quando olhos apreensivos pousam sobre o movimento da porta. Não, não éramos nenhum parente próximo; 'podem vocês voltarem a discutir o tamanho dos pintos dos amigos de seus maridos, e vocês sobre como foderam com a ex porque sua mulher se recusava a te chupar. Gabem-se por esconderem tão bem. Ambos;' e lá o senhor estava, sentado recebendo um copo de água da nova amiga.

- Tome, vai te ajudar a se acalmar.

'Um copo de água para engolir junto as lágrimas, porque, convenhamos, que vexame seria estar um senhor dessa idade aos prantos.' Sim, esconda-o, faça-o esconder, faça-o condizer, faça-o pensar eternamente - pelo ínfimo de eterno que ainda existia para ele - sobre a pedra que fora ao suprimir o seco gosto de terra que o copo dágua tinha.

Agatha mexia o pescoço e os olhava incessantemente de um lado para o outro parando em cada pessoa, arregalando cada vez mais os olhos, até seu queixo começar a vibrar, a mão tremer e a inquietude me irritar.

- Cara, você tá tremendo. Vou trazer um copo dágua.

Bruscamente virou seu corpo de frente ao meu e analisou meus olhos com a expressão mais intensa possível, e sem que fossem necessárias palavras para eu saber que para ela eu estava morto, virou-se e caminhou em como um vulto negro em procissão.

Quarto; um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Três vezes. O trinco. O corredor. A primeira porta.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Reflexo

Teus braços me cobrem quase inteira
Como se me protegessem de mais danos
Parecendo que me conscientizas
Da loucura que envolve nossos abraços.

Como se fosses mesmo parte de minhas entranhas
E soubesses por onde andam minhas palavras
Sem a necessidade da minha fala, que ora é um evento amargo,
Como se pra ti eu fosse um livro esperando ser lido.

Então eu é que agradeço a tua presença
A tua atenção à minha indiferença
A tua existência no meu ser informe

E te peço que sejas meu amigo sempre, pois às vezes não mereço
E sendo assim, se sou reflexo de coragem,
Sou teu espelho.




(não sei escrever poemas, não gosto de escrever poemas, mas precisei)

Queimei tuas coisas.

Um calor infernal tomou conta do porão.
Agonizante.
Claustrofóbico.
O fogo brilhava e refletia nos meus olhos, mais escuros que de costume.
Dilatados.
Amarelos.
As fotos queimavam junto, nossas fotos, as fotos que tiramos nos seus ditos melhores dias de sua vida.
Mentirosas.
Precipitadas.
Tuas cartas embolavam e dançavam sozinhas e eram comidas por um feixe de luz laranja, como se dançassem num ritual de esquecimento, uma simpatia antiga que herdaram das árvores genealógicas do teu passado, colocado ali por tuas mãos vazias e ressecadas que tanto passaram pela minha nuca em movimentos desiguais e desesperados; um amontoado de sentimentos confusos escritos, fotografados, presentes, embrulhados, com um laço vermelho e azul. Teus sonhados significados deprimentes, o verde dos teus olhos ficando azul e seu rosto pálido avermelhando e regurgitando palavras.
O fogo ardendo nas tuas costas, tua pele branca acinzentando, teu desespero por oxigênio, tua corrente sanguínea evaporando e invadindo meus pulmões como perfume, tuas sobrancelhas loucas de agonia, tua vontade de me fazer sofrer,
Ata-me, acorrenta-me, me tortura, prende-me na tua nuca e me deixa te sufocar, mais novo monte de cinzas, e pegar de volta o ar que roubastes de mim!

domingo, 3 de outubro de 2010

Domingo de outubro

Pela primeira vez na vida eu me interessei por eleições. Antes eu não via debates, não lia notícias, não ia atrás porque eu sempre acreditei que de um político pra outro não havia a mínima diferença, porque no final o Brasil terminaria sempre vomitando corrupção por aí (Telecom que o diga).
E por um lado, eu não estava tão errada assim.
Votem com consciência. ):


Plínio aprova